"Há um momento em que é preciso abandonar as roupas usadas que já têm a forma do nosso corpo e esquecer os caminhos antigos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia - e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos." (PESSOA, Fernando)

"Procuro despir-me do que aprendi. Procuro esquecer do modo de lembrar que me ensinaram. E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos. Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras. Desembrulhar-me e ser eu." (PESSOA, Fernando)

11 de jun. de 2014

Pontos isolados


Em pontos isolados as águas tomam conta. Em pontos isolados, faz estrago apenas na parte, não é reconhecido em seu todo, e portanto, facilmente ignorado. Em vários pontos isolados com o passar do tempo, se unem, e começam a incomodar. Sobem as águas fazendo gelar a canela, trincando os ossos, amordaçando o sentimento. Pontos isolados de dor potencializam o sentimento.
Respingam aqui, outrora acolá pontos que eclodem em águas tomadas. Reconhecida, nomeia-se agora enchente, catástrofe. A falta de manutenção preventiva das vias de escoamento, fecham os bueiros. A falta de cuidado. A boca fechada, garganta dolorida de tanto engolir sem poder vomitar. Refluxo de um fluxo que deveria ser contínuo, bloqueado em sua naturalidade.
Meio intervém no sujeito, sujeito intervém no meio, sem saber ao certo qual a ordem do processo. Sujeito mata o meio que sem vida lhe mata também.
Gotejo ou pancadas de chuva... Que diferença faz, quando as águas já tomaram conta daquilo que acreditava ser precioso? Desapego ou descrença. Para quem está de fora, é fácil nominar, teorizar. Para quem corre, por dentro, navega em tortuosas ondas de mal estar.
Em pontos isolados, tão ignorados, pelo meio ou pelo próprio sujeito? Em vários pontos isolados as dores se potencializam. Foge do controle, e o que era irrelevante, faz estragos rasgando por onde passa.
Pontos isolados do que emergem por dentro, unidos a outros pontos ignorados formam-se mais do que um rio caldoso... Uma tempestade em copo d’água que afoga.
- MariAne – junho/2014 -



2 comentários:

PERSEVERÂNÇA disse...

Encantador texto!
Uma imagem a se colocar indiferente dos sentimentos de quem não se percebe que a união faz os sentimentos enriquecerem.
Fraterno abraço
Nicinha

Mariane disse...

Grata pela visita e pelas impressões por aqui estampadas!
Abraços Nicinha