Passaram poucos dias e a beleza
das luzes natalinas fazendo parceria com as estrelas, ainda brilha em nossa
memória. Assim como a interminável fila para falar com o Papai Noel. O Bom
Velhinho foi procurado pelas crianças para fotos, juntamente com promessas e
pedidos, das mais variadas formas e valores. E para completar a jornada, a cena
que se repete a cada ano: pais delegaram a dolorosa tarefa de convencer a
pequena criança de olhos lacrimejantes a lhe entregar seu pertence mais
precioso, a chupeta, em troca de futuras recompensas.
E ainda lhe chamam de Bom
Velhinho? Será que papai e mamãe fazem idéia da imensidão de emoções e pensamentos
que rodeiam a cabeça do seu pequenino neste momento de perda? A autoridade educacional
é delegada a um ser estranho, portanto, os pais deixam de ser vilões nesta
historia que envolve uma gama de sentimentos como insegurança, dor, tristeza,
raiva, mesclados com esperança de algo bom. Esta negociação feita com os pais
sob testemunha pode render muitas horas de choro e arrependimento.
Não é novidade o artifício de
delegar a um terceiro a tarefa de corrigir o comportamento dos próprios rebentos.
Isto ocorre geralmente quando os pais ficam inseguros sobre como agir, o que
permitir e como proibir. Eles temem magoar seus pequenos, mas não dão conta das
conseqüências dos seus atos. A modelação do comportamento tem enfatizado a
punição com perda. Se não é a entrega da
chupeta, é a ameaça de punição “se você não comer tudo o Papai Noel não vai
trazer brinquedo X”, “precisa obedecer direitinho porque o Coelho da Páscoa
esta vendo tudo”, “o Bicho Papão pega criancinha que não quer dormir”, e assim
acrescentaríamos inúmeras ameaças camufladas de mentiras. Numa ânsia de super
proteger, pais correm o risco de perder, inclusive a própria autoridade, que
deve ser conquistada com confiança e não com autoritarismo.
Quando a verdade vem à tona, e
isto acontece muito cedo, a manipulação em prol aos interesses próprios
caracterizam-se facilmente como modelo aprendido pela observação. Agindo desta
forma, ensinamos precocemente aos nossos filhos a fugir das responsabilidades,
pois como pais delegamos para os personagens fictícios a tarefa de educar. E
não raro buscamos a compensação da nossa ausência com presentes. Mais uma vez a
troca é evidenciada valorizando o TER. É importante lembrar que os personagens
fantasiosos têm um papel importante no desenvolvimento criativo da criança, eles
complementam a construção do seu mundo imaginário, permitindo testar
possibilidades expandindo seu leque de habilidades. Eles servem de coadjuvantes
na construção da subjetividade e não devem ser confundidos numa inversão de
papéis quanto à autoridade familiar.
Momentos de cumplicidade e
paciência demandam tempo e atenção, e rendem registros preciosos na memória dos
pequenos e também dos grandes. Duram muito mais do que os papéis de presentes
que a esta altura já estão no lixão da cidade. Quisera que agora, passado o
ritual natalino, pais e filhos sentissem o prazer de presentear-se com “presentes sem preço” como um toque, o
olhar, qualidade de tempo, uma conversa sincera, um sorvete na praça ou aquilo
que a imaginação permitir, temperado com
amor e aceitação. Portanto, desafio a reflexão sobre o que acontecerá a mais um
apagar das luzes natalinas.
Imagem: autorizada por tintadotinteiro