O sono evaporou e meus pensamentos passaram a ter vontade própria, incongruentes ao que pedia o leito quente de uma noite de inverno. Como não adianta teimar, ponho-me a conversar com “esta outra” dentro de mim, o monólogo deste diálogo resulta em reflexão, e foi isto que ocorreu. De primeiro momento veio a lembrança de sentimentos não muito distantes: invisibilidade. Estar em um local e não ser percebida, não digo quanto a matéria física, mas quanto a pessoa que existe dentro desta carcaça que nominamos corpo. Sou muito mais do que o corpo matéria visível. Menos gritante que outrora, a luta pelo respeito e pelo meu espaço foi e continua sendo minha labuta.
A percepção que tive em recordar de figuras que circulam ao meu redor reportou justamente a uma auto-analise. Eu mudei ou o meu entorno mudou? Complexo querer ser conhecedor das verdades, sendo que elas, se existem, são muito subjetivas; mas o que senti, com agrado no coração, foi o aconchego de um amor próprio. Reclamava um olhar do outro, quando eu mantinha-me cega a mim mesma. No momento em que fui descobrindo, retirando as camadas que me escondiam, comecei a ter gosto pelo que via.
Houve um processo de identificação, precisava resgatar a essência da minha identidade. Seguido por um conhecer das minhas habilidades e limitações; esta, ainda em fase de desbravar. O momento que agora vivo compreende aceitar esta que sou e porque eu existo. Consciente disto, já basta! (Por enquanto...)
Pode parecer pieguice, mas com esta nova convicção, passei a ser vista e percebida pelos que me cercam. Ok, que nem tudo são flores, há também os espinhos... Mas o que quero compartilhar é que, a partir da minha maneira de encarar as situações, também os que me cercam foram respingados. Arriscaria dizer algo como “efeito borboleta”, cada ato tem uma conseqüência.
Pois bem, sei que é arriscado da minha parte, pois as palavras tomam significado próprio para o leitor, podendo dispersar-se da intenção daquele que as escreve, mas cá estou eu; na pior das hipóteses não serei compreendida, mas hoje isto também já não me magoa mais tanto, quero arriscar a partilha.
A leitura que faço de parte dos cidadãos deste lugar é algo parecido com a minha invisibilidade do passado. Os dias passam, as coisas acontecem e a vida que pulsa por dentro, parece pouco importar aos nossos semelhantes; a falta de afeto e de ser percebido aumenta o vazio e a angústia. Então se procura preenchê-la adquirindo bens, e para tal, mais trabalho e maior o distanciamento.
Os dias mecanicistas dão lugar a meses e a anos. A falta de percepção e sensibilidade entre os colegas de trabalho, a frieza de relacionamentos aparentemente estabelecida, escassez de amigos, sensação de abandono somado a constantes oscilações de humor.
Fazendo uma salada de liquidificador, e não desconsiderando a influência do meio em que vivemos, ousaria hipoteticamente pensar se as pessoas não têm utilizado da invisibilidade (assim como eu fazia), como um mecanismo de defesa. Acaso o distanciamento poderia estar sendo construído por elas mesmas? E para evitar confrontos, afastam-se uns dos outros.
A muralha que crio como defesa contra as hostilidades do mundo é a mesma que me isola; resulto em um ser solitário em meio a multidão. Pouco a pouco, desmontar esta muralha, permite-me ver e ser vista pelo mundo, assim como sou; isto é o que desejo para tantos solitários de multidões. Aqui me lembro de Victor Hugo quando diz: “A suprema felicidade da vida é a convicção de ser amado por aquilo que você é, ou melhor, apesar daquilo que você é!”
Mariane, por vezes Mari, Ane tantas outras...