"Há um momento em que é preciso abandonar as roupas usadas que já têm a forma do nosso corpo e esquecer os caminhos antigos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia - e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos." (PESSOA, Fernando)

"Procuro despir-me do que aprendi. Procuro esquecer do modo de lembrar que me ensinaram. E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos. Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras. Desembrulhar-me e ser eu." (PESSOA, Fernando)

7 de mar. de 2012

Tempestade


Sob o meu olhar o céu estava limpo e tão azul de dar inveja ao mar. De nuvens nenhum sinal e a brisa fresca convidou-me a relaxar. Deixei que meus olhos descansassem e cochilei ao embalo da rede.

Acordei com um forte estrondo e muita ventania. A luz do dia havia cedido lugar a uma escuridão que não condizia com as 15horas marcadas no visor do meu celular. Como podia em menos de uma hora a tranqüilidade dar lugar para enorme tumulto? Papéis e folhas rodopiavam sem rumo, a copa das árvores fazendo flexão, curva-se ao vento. A multidão agitada recolhendo seus pertences. Estalos de janelas sendo abruptamente fechadas. Novo clarão anunciava que o estrondo não tardaria a chegar. E que estrondo! Fez tremer o chão aos meus pés. Saio do meu cômodo posto de observadora e agrego-me ao turbilhão de desnorteados quando percebo que a tempestade não é ilusão de minha mente criativa. 

Protegida em abrigo seguro o corpo começa a relaxar e capta os murmúrios dos turistas. Em uníssimo solo a queixa sobre caía no incômodo causado pela tempestade como se as intempéries da natureza fossem subordinadas aos anseios turísticos. Com o estalo do raio, fez-se um clarão em minha mente! Eis o que acontece em nossa sociedade quando no ciclo vital se depara com as fases do desenvolvimento dos seres humanos. Desenvolvimento “é a seqüência progressiva de mudanças de estrutura, função e padrões de comportamento que ocorre durante o ciclo de vida de um ser humano ou outro organismo”(Dicionário de Psicologia – APA). De tal forma que desenvolver, move o sujeito para seu crescimento. O psicanalista Erik Erikson em sua tese das fases psicossociais do desenvolvimento destaca conflitos comumente existentes nos diversos estágios da vida que ocorrem desde o nascimento até a terceira idade. E o que isto tem haver com a tempestade?

Bem, a calmaria que antecedeu a tempestade reporta-se a fase de latência nos conceitos freudianos. Esta fase, compreende aproximadamente a faixa etária entre os 5 e 10 anos. É um período “em que os desejos sexuais das crianças são reprimidos como uma defesa contra os perigosos sentimentos que eles evocam” (COLE & COLE, 2003, p.728). Caracteriza-se pelas relações externas e pelo gosto em aprender as habilidades que os adultos possuem. Vestem-se como os de sua idade. Conhecimento intelectual, valores sociais e bens materiais passam a ter mais importância. De modo geral é uma fase tranqüila, já possuem autonomia e não despendem tanta energia dos pais para os cuidados básicos. Portanto, calmaria que permite aos cuidadores certo relaxamento, tal qual meu cochilo na rede...

Tempestuosa pode ser a chegada da adolescência. Não por clichê, nem mesmo de forma única e determinante, pois há suas exceções. Inesperada, pois o relaxamento permitiu o descanso, e quando ocorre uma mudança, principalmente quando esta mudança nos tira de uma zona de conforto, ela passa a ser vista negativamente. 

A adolescência por se caracterizar pela busca de uma nova identidade pode ser uma fase cheia de questionamentos (lembra-se da tenra infância no período dos por quês?). Padrões e regras são questionados e até mesmo criticados. A confusão lhe é companheira, pois não recebe mais os benefícios de “ser criança”, mas também ainda não pode usufruir do “ser adulto”. Vive o período transitório, a começar pela mudança abrupta que lhe ocorre no corpo. Seus movimentos tendem a ficar desajeitados, e a voz alterada, o humor oscila entre crises de raiva, risos e choros exagerados (aos nossos olhos). Experimenta diversos papéis, se questiona sobre o quem é, e o que quer ser; o quanto vale e qual a impressão que nos causa. Estes conceitos vão aos poucos interiorizando. Facilmente se opõe ao que lhes é sugerido e sua insatisfação pode ser constante. É uma verdadeira tempestade! 

Se prestar bem atenção, pode-se perceber que tamanha “bagunça” é um movimento, pois esta ocorrendo uma mudança, um desenvolvimento também conhecido por um “vir a ser”. Esta busca constante de acertos apesar dos erros. O experimentar para “testar” aquilo que foi normalizado, não difere muito da pequena infância. O que chamamos de teimosia, pode ser um conferir se o “não” é realmente “não” (momento em que muitos pais fraquejam). As discussões familiares marcada pelos enfrentamentos podem ser uma verificação da lealdade do discurso familiar, portanto, também demonstram que seu pensamento crítico esta em desenvolvimento. Isto tem seu lado positivo, afinal, não queremos nossos jovens totalmente alienados do racional, eles precisam desenvolver opinião critica, e para isto, a casa é o seu primeiro laboratório, e os familiares... bem, suas cobaias. Mas, se for para errar, que seja sob a proteção do ambiente familiar, pois se ali não tiverem espaço, facilmente, vão fazer estes “experimentos” longe de casa. 

Contar com um vínculo familiar saudável, com acompanhamento, educação, valores sociais, apoio e principalmente amor, permite ao adolescente uma tempestade menos inesperada e possivelmente breve. Importa lembrar que a tempestade que eles externalizam, é apenas uma fração do que lhes move internamente.
E para servir de alento, como diz o conhecimento popular: “Após a tempestade vêm dias serenos”.

COLE, M; COLE, S.R. O desenvolvimento da criança e do adoelscente. 4.ed. Porto Alegre: Artmed, 2003.

2 comentários:

Guilherme Antunes disse...

O que teria sentido nas empestades,
O que seria sentido nos endavais...
Saber a gaivota quando passeia no azul,
Andorinha sabe no vento quando voa lá do sul.
Quando saíres da tempestade
Já não serás a mesma pessoa.
Entre as tormentas, na verdade,
Aprendemos no tempo, com a idade,
Que a vida tão leve soa.
Versar a chuva o seu papel
caindo toda do céu.
...trazendo à terra prosperidade.

Mariane disse...

Guilherme ótima a tua percepção sobre a tempestade.
Sim, passando há de vir prosperidade.
Se tomares um tempinho a mais e verificar o texto na integra que esta publicado no site da Viva Blush, veras a tempestade comparada com a fase da adolescencia.

Abraços e volte sempre!