"Há um momento em que é preciso abandonar as roupas usadas que já têm a forma do nosso corpo e esquecer os caminhos antigos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia - e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos." (PESSOA, Fernando)

"Procuro despir-me do que aprendi. Procuro esquecer do modo de lembrar que me ensinaram. E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos. Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras. Desembrulhar-me e ser eu." (PESSOA, Fernando)

6 de ago. de 2010

Para mim, para você


O sono evaporou e meus pensamentos passaram a ter vontade própria, incongruentes ao que pedia o leito quente de uma noite de inverno. Como não adianta teimar, ponho-me a conversar com “esta outra” dentro de mim, o monólogo deste diálogo resulta em reflexão, e foi isto que ocorreu. De primeiro momento veio a lembrança de sentimentos não muito distantes: invisibilidade. Estar em um local e não ser percebida, não digo quanto a matéria física, mas quanto a pessoa que existe dentro desta carcaça que nominamos corpo. Sou muito mais do que o corpo matéria visível. Menos gritante que outrora, a luta pelo respeito e pelo meu espaço foi e continua sendo minha labuta.

A percepção que tive em recordar de figuras que circulam ao meu redor reportou justamente a uma auto-analise. Eu mudei ou o meu entorno mudou? Complexo querer ser conhecedor das verdades, sendo que elas, se existem, são muito subjetivas; mas o que senti, com agrado no coração, foi o aconchego de um amor próprio. Reclamava um olhar do outro, quando eu mantinha-me cega a mim mesma. No momento em que fui descobrindo, retirando as camadas que me escondiam, comecei a ter gosto pelo que via.

Houve um processo de identificação, precisava resgatar a essência da minha identidade. Seguido por um conhecer das minhas habilidades e limitações; esta, ainda em fase de desbravar. O momento que agora vivo compreende aceitar esta que sou e porque eu existo. Consciente disto, já basta! (Por enquanto...)

Pode parecer pieguice, mas com esta nova convicção, passei a ser vista e percebida pelos que me cercam. Ok, que nem tudo são flores, há também os espinhos... Mas o que quero compartilhar é que, a partir da minha maneira de encarar as situações, também os que me cercam foram respingados. Arriscaria dizer algo como “efeito borboleta”, cada ato tem uma conseqüência.
Pois bem, sei que é arriscado da minha parte, pois as palavras tomam significado próprio para o leitor, podendo dispersar-se da intenção daquele que as escreve, mas cá estou eu; na pior das hipóteses não serei compreendida, mas hoje isto também já não me magoa mais tanto, quero arriscar a partilha.

A leitura que faço de parte dos cidadãos deste lugar é algo parecido com a minha invisibilidade do passado. Os dias passam, as coisas acontecem e a vida que pulsa por dentro, parece pouco importar aos nossos semelhantes; a falta de afeto e de ser percebido aumenta o vazio e a angústia. Então se procura preenchê-la adquirindo bens, e para tal, mais trabalho e maior o distanciamento.
Os dias mecanicistas dão lugar a meses e a anos. A falta de percepção e sensibilidade entre os colegas de trabalho, a frieza de relacionamentos aparentemente estabelecida, escassez de amigos, sensação de abandono somado a constantes oscilações de humor.

Fazendo uma salada de liquidificador, e não desconsiderando a influência do meio em que vivemos, ousaria hipoteticamente pensar se as pessoas não têm utilizado da invisibilidade (assim como eu fazia), como um mecanismo de defesa. Acaso o distanciamento poderia estar sendo construído por elas mesmas? E para evitar confrontos, afastam-se uns dos outros.
A muralha que crio como defesa contra as hostilidades do mundo é a mesma que me isola;  resulto em um ser solitário em meio a multidão. Pouco a pouco, desmontar esta muralha, permite-me ver e ser vista pelo mundo, assim como sou; isto é o que desejo para tantos solitários de multidões. Aqui me lembro de Victor Hugo quando diz: “A suprema felicidade da vida é a convicção de ser amado por aquilo que você é, ou melhor, apesar daquilo que você é!”

Mariane, por vezes Mari, Ane tantas outras...

10 comentários:

Helio Thompson disse...

Querida Mariane,
Que maravilha de texto, muito bem escrito, autêntico e verdadeiro. De tão, me identifiquei muito. Estamos sempre mudando, como se a cada época fossemos um, desvendando cada vez mais o nosso verdadeiro ser. Estou vivendo um momento parecido, onde velhos hábitos e comportamentos não fazem mais sentido. Estou até com dificuldade de escrever, pois o que escrevo é o que realmente penso e sinto. Apesar disso, espero poder continuar a escrever, outras palavras, outras inspirações, enfim, novas emoções.

Com carinho.
Helio

Mariane disse...

Olá Helio T, que prazer ter tuas cores timbradas por aqui.
Que bom que mudamos, afinal o ser humano é dinâmico e não estático; assim nos desafiamos a encontrar sempre algo novo. E este desafio se completa quando fazemos esta descoberta por nós mesmos, e não como agrado para atender a expectativas de outros.
Sinto na escrita o meu escape terapêutico por quanto tempo, também não sei dizê-lo...

Ana SSK disse...

bonita relfexão...

Mariane disse...

A reflexão brotou sem pensar, saiu pura e sincera, que bom que tenha gostado Ana...
beijocas de cor!

Lara Costa disse...

palavras são a melhor maneira de expressar aquilo por vezes é inexplicavel...


linda refelxão

Mariane disse...

Olá Lara Costa, achegue-se a este cantinho, e quando as tuas palavras faltarem usa um pouquinho da cor dos sentimentos para expressar o que é inexplicável...
beijos, e se gostou, volta aqui mais vezes...

Anônimo disse...

amiga, amei seu texto...

Mariane disse...

Amiga de lá...
Continue amando...
Beijocas
da Mari

IT disse...

"Pra mim e pra vc"

A busca a procura de novas descobertas, o desejo de "voar" de ir ao encontro de repostas inerentes ao seu eu interior.
O resgate da identidade...
"eu existo, eu sou, eu posso, eu quero"
Eclodiu como planta exótica, necessita de de aquecimento e acolhimento....muito mais, de
'jardineiros' aptos a mantê-la "viva"

Eu...rs

Mariane disse...

Irlene, quem procura acha...
quem planta espera colher
quem sai da invisibilidade, alveja ser visto!

Linda tua contribuição tão sincera quanto o Som do teu Coração,
Beijos